Desliga essa tela um pouquinho?

02/07/2022

Em 2012, quando comecei a residência médica em pediatria, me lembro de ficar impressionada com o efeito que os vídeos infantis nos celulares tinham sobre as crianças. Costumávamos imobilizar os pacientes em "rolinhos" que fazíamos com um lençol na hora da coleta de sangue, porém algumas vezes bastava a mãe colocá-lo para assistir um vídeo no celular que a criança ficava "hipnotizada", paradinha. Algumas nem sequer choravam.

Telefones, videogames, tablets e computadores fazem parte do cotidiano das crianças e adolescentes, que acessam em tempo real todo e qualquer tipo de informação, com pleno domínio da tecnologia, mas em tempo excessivo e em detrimento de outras atividades.

A pandemia nos deixou mais tolerantes em relação às telas. Agora falamos em tempo de tela funcional, quando a criança se relaciona com o mundo de forma positiva, como em aulas online ou conversas com a família.

Sem dúvida há seus benefícios, porém, temos poucos recursos para nos proteger dos excessos em um estilo de vida urbano. Tem sido, portanto, muito mais prejudicial do que bom, principalmente para crianças e adolescentes. Precisamos saber usar, refletir e perceber quando as telas estão causando mal a nós mesmos ou aos outros.

A seguir algumas consequências do mau uso das telas e algumas dicas para preveni-las.

Os riscos das telas:

Estudos revelam que o uso exagerado, precoce e não supervisionado de dispositivos eletrônicos podem causar muitos prejuízos de ordem cognitiva, psíquica e física nos jovens. Vejamos alguns:

- Deficiências visuais, auditivas e posturais

- Distúrbios de sono

- Alterações do humor

- Isolamento

- Agressividade

- Depressão

- Redução da capacidade cognitiva e produtiva

- Deficit de atenção

- Problemas de linguagem

- Imediatismo

- Problemas ligados ao sedentarismo, como obesidade

- Relacionamentos superficiais

- Perda de contato com as consequências das ações

- Culto à perfeição

- Prejuízo ao aprendizado de habilidades sociais, como: resolução de problemas, pensamento crítico, autonomia, capacidade de discernir, empatia, comunicação.

Há também a exposição precoce ao tabaco, álcool, drogas e a conteúdos eróticos, que estimula a atividade sexual precoce, exploração sexual e pedofilia.

Mas não é só isso.

O uso excessivo das telas pode causar uma condição conhecida como estresse tóxico, que acontece quando a criança não consegue regular todos os estímulos que chegam a ela.

O estresse tóxico também tem suas consequências:

- Aumenta o cortisol e a epinefrina, o que muda a arquitetura cerebral, interfere no processo de produção de neurônios na atividade deles – em como eles se conectam e respondem aos estímulos.

Pois é, muita coisa. Mas e agora? Há salvação?

Sim!

Se envolva, controle o tempo de uso e monitore o conteúdo acessado, fazendo um melhor uso da tela. E participe: a perspectiva do adulto influencia a maneira como a criança entenderá a experiência.

Prefira o desenvolvimento de uma relação saudável com as telas ao invés de focar em proibições.

Como fazer um uso saudável das telas?

Crie regras e deixe claro os limites de uso para cada aparelho.

Seguem algumas sugestões pensadas a partir das dúvidas mais comuns:

Como reduzir as telas na rotina da família?

- Peça para que a criança te ajude nas tarefas de casa, como colocar roupas para lavar ou guardar a louça. Isso também é um aprendizado para eles.

- Planeje atividades e brincadeiras na véspera: massinha, bolinha de sabão, colorir são coisas que a criança pode fazer enquanto você cozinha. E, dependendo da faixa etária, eles podem participar no preparo dos alimentos, o que também ajuda na construção do comportamento alimentar. Lavar frutas, descascar ovo cozido, arrumar potes no armário, temperar pratos podem ser boas atividades para as crianças.

- Faça atividades ao ar livre, na natureza. Estimule o interesse das crianças por parques, praças, praias e locais abertos, onde consigam explorar e desviar o interesse dos eletrônicos.

- Leitura! Livros infantis devem estar sempre acessíveis às crianças, todos os dias. Leia para seus filhos, mostre as ilustrações, estimule a contar histórias a partir das ilustrações, mostre as letrinhas e tudo mais. Deixe os celulares de lado e usem os livros.

- Brinque com seu filho ou deixe que ele brinque com a tela desligada por 30 minutos. A criança que usa muita tela pode não saber brincar sozinha e no início você terá de brincar com ela.

- Quando as tarefas forem muitas e você não puder deixar a criança longe das telas, tente impor em sua atividade intervalos de 20 minutos.

- Busque ajuda da sua rede de apoio, se houver. Alguém que possa ficar e interagir com a criança, quando você estiver em uma tarefa inevitável, como trabalho ou algum imprevisto.

Por quanto tempo a criança pode usar as telas?

- Crianças abaixo de 2 anos:

Não devem ser expostas de forma passiva às telas digitais, com exceção das vídeo chamadas para conversar com parentes distantes.

- Entre 2 e 5 anos:

1 hora por dia. Deve haver a supervisão do conteúdo acessado pelos pais ou cuidadores e a verificação da classificação indicativa dos programas por idade.

- Maiores de 6 anos e adolescentes:

Até 2 horas por dia, a não ser em caso de trabalhos acadêmicos. Nesse caso, estabeleça intervalos de descanso e atividade física. Controle o tempo de jogos online, o uso de aplicativos e redes sociais.

Os intervalos são importantes para proteger e treinar a visão da criança. A cada 20 minutos, peça que a criança olhe para a janela ou algum lugar distante, assim a visão dela não se acomoda à distância tão curta da tela.

Pode acessar as telas em qualquer lugar da casa?

Não, priorize áreas comuns da casa. Evite o uso desses aparelhos no quarto das crianças e adolescentes. Assim, é mais fácil saber o que está sendo acessado.

Quando proibir/evitar os celulares:

− Refeições: desligue os aparelhos durante as refeições. Estimule a interação familiar e evite transtornos alimentares;

− Hora de dormir: 1-2 horas antes de dormir proíba o uso das telas. As horas de sono não podem ser prejudicadas.

Como garantir a segurança no uso das telas?

- Crie senhas de bloqueio para conteúdos impróprios. Use filtros e softwares de segurança.

- Fique atento aos conteúdos disponíveis para faixa etária e que podem ser nocivos, como propagandas, estímulos ao consumismo, unboxing, desafios, games etc.

Seja o exemplo:

Os pais são modelos para as crianças. Diminua o seu tempo de tela em momentos com a família.

Saiba que suas orientações só serão eficazes se você estiver realmente disposto a ter comportamentos mais saudáveis.

Aproveite para ensinar aos pequenos sobre o uso das telas:

- Ensine-os a bloquear mensagens ofensivas ou impróprias, vídeos de conteúdo violento e sexual. Explique que elas não devem compartilhar senhas, fotos, informações pessoais ou se expor na câmera;

- Explique à criança que ela não deve postar nas redes sociais mensagens discriminatórias (cyberbullying), intolerantes ou discursos de ódio. Converse sobre empatia e como o seu comportamento virtual afeta o outro;

- Fale sobre a importância da privacidade;

- Explique a eles sobre a noção de tempo, é fácil se perder navegando nas redes;

Dica aos pais e responsáveis:

Evite postar abertamente nas redes conteúdos que exponham seus filhos.

Vamos desligar um pouquinho essa tela?

Extras:

Para assistir:

TEDxRainier - Dimitri Christakis - Media and Children - YouTube

Parar ler:

https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/11/19166d-MOrient-Saude-Crian-e-Adolesc.pdf

https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21511d-MO_-_UsoSaudavel_TelasTecnolMidias_na_SaudeEscolar.pdf

Fontes:

Aula com a psicóloga Luiza Chagas Brandão e com a Dra. Denise Lellis no Curso de Especialização em Consultório Pediátrico da Dra. Denise Lellis

Algumas dicas práticas peguei do Instagram da Dra Karen Capuano Marques, neurologista infantil

Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital - Sociedade Brasileira de Pediatria

Uso saudável de telas, tecnologias e mídias nas creches, berçários e escolas - Sociedade Brasileira de Pediatria

Arnett, J. J. (1995). Adolescents' uses of media for self socialization. Journal of youth and adolescence 24 (5), 519 53

Estefenon, S. G. B. (2013). Efeitos nocivos à saúde de crianças e adolescentes pelo uso excessivo das tecnologias da informação e comunicação. In: Vivendo esse mundo digital. Impactos na Saúde, na Educação e nos Comportamentos Sociais. Porto Alegre: Artmed.

Rathus, J. H., & Miller, A. L. (2014). DBT® skills manual for adolescents. Guilford Publications.

Rich, M. (2013). As mídias e seus efeitos na saúde e no desenvolvimento de crianças e adolescentes: reestruturando a questão da era digital. In: Vivendo esse mundo digital: Impactos na Saúde, na Educação e nos Comportamentos Sociais. Porto Alegre: Artmed.

Tomopoulos S, Dreyer BP, Berkule S, Fierman AH, Brockmeyer C, Mendelsohn AL. Infant Media Exposure and Toddler Development. Arch Pediatr Adolesc Med. 2010;164(12):1105-1111.

Estudo de 2007: Zimmerman FJ, Television and DVD/Video Viewing in Children Younger Than 2 Years, Jamma Pediatrics, Junho 2007.